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As danças em tempo de COVID-19
- 10 de Agosto, 2020
- Publicado por: Felipe Guinossi
- Categoria: Saúde
Nesse momento de isolamento e distanciamento social, temos visto muitas pessoas nas redes sociais lançando desafios sobre as danças. E não podemos esquecer as coreografias para se divertir em família dos aplicativos divulgados na mídia.
A organização Pan Americana de Saúde orienta a população sobre os riscos à saúde apresentados pela COVID-19, e informações precisas e confiáveis para que a população adote comportamentos positivos para proteger a si e seus entes queridos de doenças como a causada pelo novo coronavírus. Uma delas em seus vídeos informativos é: COVID-19: Dicas para um dia a dia menos estressante em casa “colocar uma música e dançar.”
Mas… assim como diz o ditado popular “quem canta seus males espanta” a dança que é uma expressão de alegria, movimento e conexão também pode espantar os males.
A palavra dança segundo o dicionário da língua portuguesa: ela é uma arte e/ou técnica de dançar, conforme determinadas modalidades ou padrões culturais específicos, sequência de passos e movimentos corporais ritmados, geralmente ao som de música.
Já no dicionário de símbolos o autor Chevalier e Gheerbrant (2001) define a dança como uma celebração, linguagem. Linguagem para aquém da palavra: as danças de cortejamento dos pássaros o demonstram. Linguagem para além da palavra: porque onde as palavras já não bastam, o homem apela para a dança.
O que as danças têm a ver com o SUS – Sistema Único de Saúde? O SUS ligado em fazer promoção e prevenção de saúde lançou a Portaria GM/MS no 971, de 3 de maio de 2006 das Práticas Integrativas Complementares em Saúde a qual inclui uma das práticas que é a Dança Circular com o objetivo de ampliar e ofertar os recursos terapêuticos para usuários, garantindo maiores integralidade e resolutividade da atenção à saúde.
Nos movimentos, na música e no contato com o outro, a descoberta para acessar as emoções, hoje podemos contar com as danças circulares no SUS, que por meio dos passos aprendidos na roda promove união, conexão e o resgate da ancestralidade.
Manter-se em movimento é fundamental para a manutenção e melhora da vitalidade, além dos benefícios físicos, a melhora do gerenciamento do estresse e da ansiedade é notável com práticas que integram movimento, respiração e consciência corporal. O que tem tudo a ver com saúde. É por isso que as danças circulares passaram a fazer parte das Políticas das Práticas Integrativas Complementares em Saúde, ampliada no ano de 2017.
Em 2017 tive o primeiro contato com as Práticas Integrativas Complementares em Saúde e a que mais me identifiquei foi com as Danças Circulares como uma ferramenta de trabalho em grupo no âmbito da saúde pública. Neste contexto, via-se o recurso como um dispositivo de promoção de saúde de inclusão social dos usuários e trabalhadores.
Com relação aos trabalhadores pude observar que a busca das Danças Circulares era uma possibilidade de aprender mais sobre uma atividade no contexto das chamadas oficinas terapêuticas existente na instituição, outras tomavam como um aprendizado sobre as culturas e outras para movimentar o corpo. Observei que alguns com maior interesse em uma experiência de autoconhecimento, libertação, para alguns, até mesmo expressões de amizade, dedicação ao trabalho, expressão de amor aos usuários. E sem que os trabalhadores percebessem o bem estava lá, cuidando do cuidador.
No cotidiano de minhas atividades em órgão público, tive o privilégio de participar de um trabalho no Centro de Atenção Psicossocial de um município do estado de São Paulo, dos movimentos das Danças Circulares com uma facilitadora, foi uma experiência maravilhosa com pacientes Portadores de Sofrimento Psíquico, o qual o propósito também era trabalhar a Saúde Mental do cuidador.
No primeiro dia onde a atividade foi a aplicada a focalizadora nos contou a história do precursor das Danças Circulares. Conta que Bernhard Wosien, considerado o Pai dos movimentos das Danças Circulares, natural da Polônia, nasceu em 1908 e faleceu em 1986. Wosien estudou teologia, porém acabou se dedicando ao que realmente ele mais gostava que era a dança. Tornou-se um grande bailarino, coreografo. No decorrer de sua carreira se atentou para as danças de rodas, danças dos povos, tradicionais, as danças das vilas e percebeu a essência e o simbólico que tinha dentro dessas danças, observou os desenhos (verdadeiras mandalas), o dia a dia e acreditava realmente que esse era um recurso maravilhoso que proporcionava a cura. Partiu do princípio de que viver é o viver no aqui e agora. Lembra que o momento mais importante da carreira de Bernhard foi o momento onde ele foi participar da Findhorn Foudation que é uma associação sem fins lucrativos, parte de uma comunidade espiritual composta de cerca de 400 pessoas e espalhada em torno da baía de Findhorn, ao norte da Escócia, (https://www.findhorn.org/portugues/) onde ele pode realmente realizar seu desejo de levar as danças para todas as áreas (Saúde, Educação e Desenvolvimento Social) pois ele acreditava que esse grande movimento buscava a plenitude do ser.
O acompanhamento sistemático das atividades desenvolvidas me permitiu observar mudanças comportamentais, físicas e emocionais refletidas em uma maior tranquilidade, diminuição da ansiedade e de sintomas depressivos, melhora da consciência corporal e, mesmo, de sintomas psicóticos, a aceitação e adesão.
Participar dessa vivência com os pacientes e a facilitadora in loco foi indizível.
Considero aqui a importância dos cuidados da facilitadora no momento de preparar a roda, o espaço, a música a coreografia, sempre atenta as intersubjetividades.
No início das atividades demonstrando a importância de levar o conhecimento aos participantes explicando os movimentos, a existência das interconexões entre a música e a coreografia, explicações mantidas até hoje, oferecidas pelas tradições. Sempre trazendo à tona e considerando a importância do espaço, espaço de compartilhamento e fala, garantindo assim no grupo que os pacientes pudessem expressar suas experiências, essas tidas somente e unicamente na sua singularidade. Momento exclusivo de cada participante. A partir da vivência com as danças a fala era compreendida como um espaço de associação mais livre possível.
Vale ressaltar a importância da constituição de um espaço após a dança para que os pacientes pudessem de maneira livre expressar suas experiências.
A cada movimento, a facilitadora apresentava as informações e sua visão, porém informações apenas como uma oferta adicional, a partir do qual se permitia cada um associar, não existia uma conclusão das associações no grupo, nem tão pouco era ensinado nada ao grupo, o percurso que cada grupo, cada indivíduo realizava, gostando ou não gostando, concordando ou não concordando do que era dito e apresentado pela tradição das Danças Circulares.
Ao término das atividades era o momento de reflexão depois do convite da facilitadora “hoje foram momentos maravilhosos então todos estão convidados a expressar suas experiências com as Danças Circulares. Quero deixar claro que vocês têm toda a liberdade de falar livremente, aqui não pensamos no que está certo ou errado. Podemos também falar de nossas próprias experiências, podemos comentar algo que o relato dos nossos colegas despertou em nós. Somos livres para nos comunicar, em palavras, gestos e até mesmo em desenhos.
Cabe lembrar dos resultados obtidos com os pacientes no quesito memória, dançando pude observar a grande melhora da capacidade dos pacientes em perceber o ambiente (interno e externo), a autodisciplina, atenção e o centramento. Essa modalidade integrativa e complementar de cuidado com a saúde imprime musicalidade e ritmo para a vida cotidiana, estimulando o indivíduo a expressar o que tem de melhor em si, beneficiando, entre outras coisas, a memória e a capacidade de concentração.
Contatei como os movimentos da dança estimula o raciocínio, permite extravasar afetos e fortalece o relacionamento humano e quanto a doce presença da facilitadora pode empoderar o bem-estar dos pacientes. Momentos posso assim dizer milagrosos e inesquecíveis.
Não posso deixar de registrar aqui alguns depoimentos que me remete a memória no momento dos assistidos:
“Nossa cheguei aqui como os pensamentos ruins, e agora eles foram embora….corpo leve…”
“Ajuda quando estou triste… fico alegre”….
“Semana passada não conseguia fazer os passos….hoje eu consegui….”
Hoje podemos contar com o recurso das tecnologias e podemos aprender a dança pelos canais da mídia, com focalizadores de Dança Circular.
Vale lembrar que segundo o Manual de Implantação de serviços de práticas integrativas e complementares no SUS, a Dança Circular é uma Prática expressiva corporal que utiliza a dança de roda, o canto e o ritmo para promover a integração humana, o auxílio mútuo e a igualdade visando ao bem-estar físico, mental, emocional e social. Originária de diferentes culturas que favorece a aprendizagem e a interconexão harmoniosa ente os participantes. As pessoas dançam juntas, em círculos, e aos poucos começam a internalizar os movimentos, “liberar a mente, o coração, o corpo e o espírito”. Por meio do ritmo, da melodia e dos movimentos delicados e profundos, os integrantes da roda são estimulados a respeitar, aceitar e honrar as diversidades.
Fica evidente os benefícios da Dança Circular aos usuários, gestores e trabalhadores do SUS, como prevenção, promoção de saúde e fortalecimento da imunidade no enfrentamento do COVID-19.
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Referências Bibliográficas
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Manual de implantação de serviços de práticas integrativas e complementares no SUS / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2018
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. RJ: José Olympio, 1998.
HOUAISS, A. e VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Elaborado no Instituto Antonio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
JUNG, C. G. O homem e seus símbolos. 20.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977. https://www.youtube.com/watch?v=9PVVvlWgemo&feature=emb_rel_end, acesso em 31/08/2020
https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6130:covid-19-materiais-de-comunicacao&Itemi d=0#atividade, acesso em 31/08/202
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[1] Telma Marques Silva – Psicóloga; Especialista em Formação Integrada em Educação Permanente em Saúde; Saúde Pública com Saúde Mental; Saúde Pública; Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes; Psicologia Jungiana. Experência em Saúde Mental (20anos); Professora Universitária – Atualmente Responsável Técnica do Núcleo de Práticas integrativas e Complementares em Saúde.